terça-feira, 16 de janeiro de 2018

GRANDES DOUTRINAS DA FÉ CRISTÃ REFORMADA (2/5) ~ JOEL BEEKE




GRANDES DOUTRINAS DA FÉ CRISTÃ REFORMADA 
[PARTE 2/5 - 13 À 21]
A OBRA DA CRIAÇÃO
A DOUTRINA DO PECADO
SÉRIE [57 ESTUDOS]
Rev. Joel Beeke
[Projeto Os Puritanos]

13/57 - A OBRA DA CRIAÇÃO — A CRIAÇÃO E A GLÓRIA DE DEUS
Seja na beleza, no poder, ou na complexidade da criação, uma amostra da maravilha de Deus está gravada em todas as coisas, como um inconfundível testamento da Sua glória incompreensível. A glória de Deus tem sido proclamada na completa feitura do universo: “Os céus proclamam a glória de Deus” (Salmos 19:1) e “toda a terra está cheia da sua glória” (Isaías 6:3).

Existem duas formas úteis de expressar a apresentação da glória de Deus na criação. Em primeiro lugar, a Sua glória é como uma luz brilhante amplamente espalhada, mesmo nos recantos mais escuros da terra. Esta luz cintilante penetra na mente de todos os homens (Romanos 1:19-20). Ela irradia abundantemente por todo o céu, onde a majestade do Senhor é derramada (Salmos 104:2). Não há nenhum lugar onde as centelhas da Sua glória não possam ser discernidas. Em segundo lugar, a glória de Deus é revelada na criação como uma imagem em um espelho. A glória do Deus invisível é visivelmente refletida pela Sua criação (Hebreus 11:3). Isto permite a todos contemplar a natureza invisível de Deus, como está retratada na Sua criação. Qualquer que seja a aparência da glória de Deus, como uma luz ou como uma imagem em um espelho, o homem não pode verdadeiramente abrir os seus olhos sem ser compelido a vê-Lo.

Apesar de toda a criação de Deus exibir a Sua glória, é o próprio homem, como o pináculo da criação, quem revela a glória de Deus mais explicitamente. Ele é um raro espetáculo do poder, da bondade e da sabedoria de Deus. Crianças tem línguas tão eloquentes para proclamar a glória de Deus que não há necessidade nenhuma de outros oradores (consulte o Salmos 8:2). O corpo humano, desde a sua boca e olhos até as unhas dos dedões dos pés, exibe um acabamento primoroso. A alma do homem, em inteligência, imaginação, memória, e até mesmo na capacidade de sonhar, proclama sobre o seu Criador. A imagem de Deus tem sido tão completamente estampada no homem que, conforme todos são adornados com um sopro da Sua glória, Deus prontamente testifica que Ele é o Pai de todos (Atos 17:28). Deus fez o homem como a Sua obra-prima, inigualável com todo o resto da criação. Mais ainda, conforme a igreja é conformada à imagem expressa do Deus invisível, Jesus Cristo (Colossenses 1:15; Hebreus 1:3), a glória de Deus se torna mais nítida.

Para o descrente, a expressão de Deus na criação não pode ser perdida, mesmo se a escuridão da sua mente tornar a imagem nublada. Para ele, a glória de Deus mostrada na criação é um testemunho contra a incredulidade (Romanos 1:19-20). Somado ao testemunho interno do coração, Deus provê no mundo inúmeras evidências da Sua existência e do dever do homem em se submeter ao seu Criador (consulte Atos 14:16-17). A glória de Deus está inscrita na criação com letras em negrito, contudo o descrente trocou a glória do incorruptível pelas imagens de coisas corruptíveis (Romanos 1:23). Esta confusão da criação com o Criador suplanta o Deus verdadeiro com a sombra de uma divindade, privando Deus do Seu direito como Criador e negando o lugar apropriado da criação como um anúncio das glórias do seu Construtor. Embora Deus docemente atrai os homens com a aparência da Sua glória, a imprudência e a superficialidade do homem, junto com a sua ignorância e cegueira, o tem conduzido a desprezar o testemunho da criação e, em última instância, a rejeitar o próprio Criador.


Para o crente, a beleza da criação proclama a beleza majestosa do seu Deus. Com a revelação da Escritura e a obra do Espírito, o crente é capaz de compreender e apreciar corretamente a glória de Deus, exibida na Sua criação. Ele escuta a extraordinária voz de Deus sobre as águas, quebrando os cedros, fazendo tremer o deserto, e fazendo dar cria; portanto, o crente adora a Senhor na beleza da santidade (Salmos 29). Ao examinar a criação, isto provoca adoração no crente, e o faz se submeter ao seu soberano Criador, que sustém a massa dos céus e da terra pela Sua Palavra. O aceno de Deus, apenas, faz tremer os céus com raios; acende o ar com relâmpagos; perturba a terra com tormentas, e então a silencia; e compele o mar a se agitar como se estivesse no meio do ar, apenas para o acalmar novamente. Tudo isto encoraja, no coração de cada crente, um temor e uma adoração reverentes ao glorioso Deus anunciado pela criação.

14/57 - A OBRA DA CRIAÇÃO — OS ANJOS
Os anjos são membros de uma grande corporação, com natureza ou substância espiritual, criados para serem espíritos que ministram sob o comando de Deus. Os Puritanos tinham uma visão elevada dos anjos, contudo eles continuamente subordinavam os anjos à autoridade de Deus. Normalmente, a explicação que eles davam a respeito dos anjos estava em conexão com outro tópico, ou fazia parte da  exposição de uma passagem relevante da Escritura. Observando que muitos outros cometeram erros na supra-exaltação dos anjos, os Puritanos enfatizaram que devemos continuamente ser guardados por uma paixão pela meditação de Cristo somente, e da glória de Deus somente.

O Catecismo Maior de Westminster (Q. 16) diz, “Deus criou todos os anjos como espíritos imortais, santos, poderosos e excelentes em conhecimento, para executarem os seus mandamentos e louvarem o seu nome, todavia sujeitos à mudança”. Isto ressalta duas importantes verdades: anjos tem semelhanças em relação à Deus, contudo, como criaturas, eles também possuem diferenças também.

Os anjos são parecidos com Deus quanto ao fato de serem espíritos invisíveis que são impalpáveis – isto é, eles não podem ser sentidos (Lucas 24:39). Além disso, os anjos são racionais, dotados com as nobres faculdades do entendimento e da vontade (Efésios 3:10; cf. Salmos 103:20; Lucas 15:10).

Contudo, Deus é infinitamente mais glorioso do que os anjos (Salmos 148:13), e eles estão muito abaixo Dele. Portanto, existem diferenças significativas entre os anjos e Deus. Os anjos são criaturas, e portanto estão completamente sobre o domínio do seu Criador. Deus criou os anjos santos (cf. Mateus 25:31; Marcos 8:38; Apocalipse 14:10), mas a sua santidade é infinitamente menor do que a Dele (Apocalipse 15:4). Os anjos possuem grande conhecimento (2 Samuel 14:20), mas apenas Deus conhece os corações dos homens (Jeremias 17:10) e o futuro (Isaías 41:23). Os anjos se destacam em poder (Salmos 103:20; Efésios 6:12; 2 Tessalonicenses 1:7; cf. Mateus 28:2-7), mas apenas Deus pode criar o mundo (Isaías 40:28) e sustentar a sua existência (Hebreus 1:3). Adicionalmente, somente Deus pode regenerar a alma como uma nova criação (Efésios 2:10). Os anjos foram criados em um elevado estado de glória, contudo eles não são imutáveis, e muitos deles caíram (Judas 6).

Uma história detalhada dos anjos não está prontamente evidente na Escritura. Está claro que eles foram determinados de acordo com o eterno decreto de Deus. A predestinação de anjos se enquadra dentro do conselho secreto de Deus, e portanto é grandemente oculto. Portanto, a eleição e a reprovação de anjos (cf. 1 Timóteo 5:21) pode ser considerada paralela à do homem, de algumas formas. Contudo, enquanto alguns homens são escolhidos para salvação, do pecado, e mais importante, em Cristo, nenhuma destas qualificações estão relacionadas aos anjos eleitos. Esta é uma distinção essencial.

A Escritura testifica que os anjos são seres criados (Colossenses 1:16). O período da sua criação é difícil de determinar, mas é certo que foi durante os seis dias de criação de todas as coisas (cf. Jó 38:7). Deus permitiu que alguns anjos caíssem da glória da sua criação original. Portanto, existe um período em que os anjos foram confirmados em seus status – como anjos eleitos ou demônios. Os primeiros foram estabelecidos em santidade por toda a eternidade, enquanto os últimos foram confirmados na sua queda. O período e a forma desta confirmação não discutida extensivamente na Escritura.

Os anjos eleitos são, hoje em dia, servos de Deus. Eles existem em vasto número (Daniel 7:10; Mateus 26:53; Hebreus 12:22). Deus emprega as suas hostes de anjos, primeiramente, para glorificar a Si mesmo e, em segundo lugar, para servir a Sua criação, mais particularmente o Seu povo.

Os anjos celebram a glória de Deus, clamando três vezes “Santo!” (Isaías 6:3). Os anjos adoraram a Deus desde os primórdios da criação (Jó 38:7) e vão continuar a adoração através da glória eterna (Hebreus 12:22-23; Apocalipse 5:11-12; cf. Lucas 2:13-14; 15:7,10; Hebreus 1:6). Eles anelam perscrutar as maravilhas do Seu evangelho (1 Pedro 1:12).


Os anjos também estão ocupados servindo os herdeiros da vida eterna (Salmos 91:11-12; Daniel 10:13,20; Hebreus 1:14). Eles ministram aos homens (Gênesis 24:7; Êxodo 23:23; Daniel 6:22; Lucas 1:19,26; Atos 12:1-11; Hebreus 1:14; Judas 9), vigiando-os como sentinelas (2 Reis 6:17; Salmos 34:7). Deus ordena aos Seus anjos que cuidem dos Seus santos – mas não governam sobre eles ou recebem adoração deles. Além disso, a noção popular de um anjo da guarda especial para cada crente individual não tem suporte Bíblico. Ao invés disso, a Escritura afirma uma verdade ainda mais preciosa: o cuidado de um crente não é a tarefa de apenas um anjo; todo o exército angelical, em consenso, cuida de cada crente e de sua salvação (Gênesis 32:1-2; 2 Reis 6:17; Lucas 15:10; 16:22).

15/57 - A OBRA DA CRIAÇÃO — A IMAGEM DE DEUS
O que torna o homem único entre as criaturas de Deus? A Escritura revela que Deus teve um propósito definitivo quando Ele alcançou o ápice do Seu trabalho criativo: “Também disse Deus, Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança… Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou” (Gênesis 1:26-27). Observe que o homem é feito “à” imagem de Deus, e não “como” a imagem de Deus. Existe algo na constituição do homem que reflete o ser e o caráter de Deus, assim como uma imagem em um espelho é o reflexo de alguém olhando para ele. Portanto, devemos procurar pela imagem de Deus no homem.

Como Filho de Deus, somente Cristo “é o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser” (Hebreus 1:3). Esta imagem precisa ser vista internamente, ou percebida por meio da fé: “Porque Deus, que disse 'Das trevas resplandecerá a luz, ele mesmo resplandeceu em nosso coração, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Cristo'” (2 Coríntios 4:6). João fala, “… e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai… Ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é quem o revelou” (João 1:14,18).

O corpo humano precisa ser excluído da imagem de Deus no homem. Deus é “um espírito puríssimo, invisível, sem corpo, membros ou paixões” (Confissão de Fé de Westminster, 2.1). Nada físico ou visível, acerca do homem, pode ser parte da imagem do Deus invisível e espiritual. Foi puro paganismo de Michelangelo ao retratar o Criador no teto da Capela Sistina, como um homem europeu musculoso, com longos cabelos e barba brancos. O corpo atual do homem é “formado da terra, é terreno” (1 Coríntios 15:47), constituído do pó da terra e trazido à vida neste mundo, e em nenhum outro lugar.

Contudo, quando Deus soprou “o fôlego de vida” neste vaso terreno, “o homem passou a ser alma vivente” (Gênesis 2:7). Existe uma alma humana, um aspecto interior da constituição do homem, “o homem interior do coração” (1 Pedro 3:4). A imagem de Deus é encontrada “no íntimo e no recôndito” do homem (Salmos 51:6). O Novo Testamento distingue três elementos nesta imagem: justiça, santidade, e conhecimento (Efésios 4:24; Colossenses 3:10).

A frase “verdadeira santidade” (Efésios 4:24) também pode ser traduzida como “retidão procedente da verdade”. A frase pode ser estendida para incluir “justiça”. Em outras palavras, Paulo fala que nosso Criador está renovando a Sua imagem em nós, nos concedendo o conhecimento da verdade, e que Ele está usando este conhecimento para nos tornar justos no nosso lidar com outras pessoas, e santos em nosso caminhar com Deus.

Quando o homem caiu em pecado, o conhecimento deu lugar à ignorância, a justiça à iniquidade, e a santidade à impiedade. O Criador fez o homem “por um pouco, menor do que Deus e de glória e de honra o coroaste” (Salmos 8:5), mas o homem lançou a si mesmo no pecado, culpa, miséria e vergonha, e perdeu a sua coroa de glória e honra. As boas novas do evangelho significa que o homem caído pode ser purificado do pecado, renovado pela graça, e restaurado à honra.

Este processo de renovação ocorre ao longo de três linhas, em uma ordem particular. Em primeiro lugar, nós precisamos adquirir conhecimento da verdade, que é concedida através da pregação da Palavra. Tiago nos direciona para acolher “com mansidão, a palavra em vós implantada, a qual é poderosa para salvar a vossa alma” (Tiago 1:21); a Palavra é “implantada” quando ela é firmemente transplantada para um bom solo, no coração do crente. À luz deste conhecimento, nós devemos começar a fazer a vontade de Deus, lidando de formam justa com nossos irmãos em Cristo e com  nossos semelhantes, seres humanos, de uma forma geral (Salmos 15:1,2). Finalmente, em gratidão, nós devemos consagrar a nós mesmos, alma e corpo, para servir a “Deus de modo agradável, com reverência e santo temor” (Romanos 12:1; Hebreus 12:28). O objetivo definitivo, para cada Cristão, é o de ser conformado à imagem de Cristo, “a fim de que Ele seja o primogênito entre muitos irmãos” (Romanos 8:29).

16/57 - A OBRA DA CRIAÇÃO — A ALMA
No deserto da Judéia, Davi experimentou sede e fome que vão muito além de qualquer necessidade física por bebida ou comida. A sua sede era da alma, a sua fome era por Deus, “assim, eu te contemplo no santuário, para ver a tua força e a tua glória” (Salmos 63:1-2). Como um guerreiro experiente, Davi podia seguir sem comida ou bebida, se fosse preciso. Privado do acesso à casa de Deus, contudo, ele clama em seu isolamento e em seu vazio.

Davi usa os termos alma e carne (ou corpo) para descrever o seu ser completo. Paulo usa termos similares: “mesmo que o nosso homem exterior se corrompa, contudo, o nosso homem interior se renova de dia em dia” (2 Coríntios 4:16). Em ambos os casos, o conceito é o de que a constituição humana tem dois aspectos, o “homem exterior” visível de carne e sangue, e o “homem interior” ou “alma”, como Pedro fala, “o homem interior do coração” (1 Pedro 3:4).
A palavra “nephesh”, em hebraico, é usada centenas de vezes no Antigo Testamento, sendo traduzida frequentemente como “alma” (“soul” - 428 vezes, versão KJV). Contudo, dependendo do contexto, os tradutores usaram a tradução “vida” (“life”- 119 vezes), “pessoa” (“person” - 30 vezes), “coração” (“heart” - 15 vezes), e “mente” (“mind” - 15 vezes). No Novo Testamento, a palavra “psuche”, em grego, foi traduzida por “alma” (“soul” - 58 vezes), “vida” (“life” - 40 vezes), “mente” (“mind” - 3 vezes), e “coraçao” (“heart” -  1 vez). Com esta grande variedade de significados, não é sábio definir a palavra muito estrita ou precisamente.

A Escritura ensina que o corpo humano é uma criação especial de Deus, formado à partir do pó da terra e trazido à vida quando Deus soprou nele o “fôlego de vida”: “o homem passou a ser alma vivente” (Gênesis 2:7). A alma humana é imaterial e imortal, sendo a sede do conhecimento e compreensão, memória e meditação, consciência e ser consciente, vontade e emoção. É a identidade exclusiva de cada pessoa ou “eu”. Cada alma humana é um presente da mão de Deus (Eclesiastes 12:7).

A interação entre a alma e o corpo é tão contínua ou ininterrupta, que é frequentemente impossível distinguir quando um efeito é produzido por uma ou pela outra. Certamente, a alma fornece vida para o corpo, e o que acontece na alma fica registrado no corpo. Davi registrou os efeitos físicos do seu silêncio cheio de culpa: “enquanto calei os meus pecados, envelheceram os meus ossos pelos meus constantes gemidos todo o dia” (Salmos 32:3).

A morte é o rasgar da alma e do corpo. O corpo sucumbe à corrupção. As almas dos justos são tornadas perfeitas em santidade e são recebidas nos mais elevados céus, para contemplar a face de Deus, em luz e glória, aguardando pela ressurreição dos seus corpos. As almas dos ímpios são lançadas no inferno, para permanecer em tormentos e trevas extremas, aguardando pelo julgamento do último dia. A Escritura não dá suporte para as falsas crenças como, por exemplo, o “sono da alma”, a segunda chance para receber a Cristo e ser salvo depois da morte, a salvação por meio do sofrimento no purgatório, a reincarnação, ou a aniquilação das almas dos ímpios.

Algumas pessoas tem sugerido uma distinção entre “alma” e “espírito”, baseado na oração de Paulo encontrada em 1 Tessalonicenses 5:23: “… e o vosso espírito, alma e corpo sejam conservados íntegros e irrepreensíveis…”. Qualquer distinção entre “alma” e “espírito” falha porque as palavras são usadas, de maneira intercambiável, em outra passagem (ver Lucas 1:46-47), e elas denotam a mesma coisa, ou seja, o “homem interior”. Paulo está usando uma perífrase ou circunlóquio, para enfatizar a totalidade da preservação que ele deseja para os seus leitores.

A Escritura não denigre o corpo humano, uma vez que que ele é uma criação de Deus, embora a sua beleza e perfeição originais foram arruinadas por causa do pecado. Contudo, Cristo nos ensina a colocarmos nossas necessidades da alma acima dos nossos clamores do corpo: “Pois que aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?” (Mateus 16:26). Paulo diz a mesma coisa, de forma positiva: “Pois o exercício físico para pouco é proveitoso, mas a piedade para tudo é proveitosa, porque tem a promessa da vida que agora é e da que há de ser” (1 Timóteo 4:8).

17/57 - A DOUTRINA DO PECADO — SATANÁS
A existência de Satanás é atestada em nove livros do Antigo Testamento e por cada um dos escritores do Novo Testamento. No Antigo Testamento, a palavra Satanás significando “adversário ou acusador”, ocorre dezenove vezes (“Satan”- versão KJV). A palavra parece ser empregada tanto como um título (“ó Satanás”; Zacarias 3:1-2), quanto como um nome pessoal (“Satanás”; 1 Crônicas 21:1; “Satan”; Salmos 109:6 – versão KJV). Muitos dos usos ocorrem nos capítulos 1 e 2 do livro de Jó.

No Novo Testamento, Satanás é denominado mais frequentemente de “o diabo” (“devil”, em inglês, ou “diabolos”, no grego; ocorrendo sessenta vezes, sendo quarenta delas apenas nos Evangelhos). Este é um termo que significa “caluniador ou difamador”. A palavra “Satanás”, propriamente dita, ocorre trinta e quatro vezes (“Satan” - versão KJV), sendo a metade delas nos Evangelhos e em Atos dos Apóstolos, e a outra metade, nas epístolas e em Apocalipse.
Adicionalmente, existem outros nomes e títulos neotestamentários para Satanás: “o acusador” (Apocalipse 12:10), “o adversário” (1 Pedro 5:8), “Apoliom” (Apocalipse 9:11), “Belzebu” (Mateus 12:24), “Belial” (ou “Maligno”, 2 Coríntios 6:15), “o dragão” (Apocalipse 12:7), “o deus deste século” (2 Coríntios 4:4), “o príncipe da potestade do ar” (Efésios 2:2), “o príncipe deste mundo” (João 12:31), “a serpente” (Apocalipse 20:2), “o tentador” (Mateus 4:3), e “o leão que ruge” (1 Pedro 5:8).

Satanás não é uma força impessoal, mas é o principal anjo caído que se rebelou contra Deus (Isaías 14:12-15). Ele tem todos os traços de personalidade, tais como o intelecto (2 Coríntios 11:3), a emoção (Apocalipse 12:17), e a vontade (2 Timóteo 2:26). Além disso, pronomes pessoais são imputados a ele (Mateus 4:1-12).

Desde o seu primeiro sucesso na tentação de Adão em Eva para pecarem, Satanás é visto guerreando contra a humanidade em geral, e crentes em especial. Agindo em oposição ao mundo, Satanás cega, engana e governa sobre o homem em perversidade (2 Coríntios 4:3-4; Efésios 2:2; Colossenses 1:13; Apocalipse 20:7-8). Com hostilidade para com os crentes, Satanás perambula ou vagueia “como um leão que ruge” (1 Pedro 5:8). Satanás incitou Davi a pecar (1 Crônicas 21:1), acusou Jó e Josué, o sumo sacerdote (Jó 1-2; Zacarias 3:1), corrompeu o pensamento de Pedro (Mateus 16:23), e colocou um espinho na carne de Paulo (2 Coríntios 12:7). Satanás procura acusar a todos os crentes diante de Deus, e se opõe a eles com toda a sua força (Apocalipse 12:10). Ele é apropriadamente descrito como astuto (Efésios 6:11), o que faz com que o crente precise se revestir de toda a armadura, tanto ofensiva quanto defensiva, contra ele (Efésios 6).

Satanás pode ser visto como executando quatro estratégias contra o crente. Em primeiro lugar, Satanás conduz o crente para fora do caminho reto, incitando-o com o fruto pecaminoso, cuidadosamente ajustado para o gosto deste crente. Satanás conhece as fraquezas individuais dos crentes e rapidamente se aproveita delas. Cada crente deve estar cauteloso em suas áreas de fraqueza, construindo fortificações contra Satanás nestes pontos.

Em segundo lugar, Satanás coloca obstáculos monumentais ao longo do percurso da disciplina espiritual, tornando o progresso tedioso e exaustivo. Ele confronta o crente com impasses aparentes, muitos dos quais são comuns e ordinários, tais como os negócios, a solidão, e a fadiga ou exaustão. Munido destas e de outras estratégias, Satanás tenta desencorajar e subjugar o crente. O crente precisa se refugiar no Senhor, como sua força e sua rocha (Salmos 18:2; 28:7), empregando os meios de graça, e estando em comunhão regular com outros Cristãos.

Em terceiro lugar, Satanás monta armadilhas para o crente, iludindo-o ou enganando-o acerca de Deus e da Sua verdade. Desde o começo (Gênesis 3:4-5), Satanás corrompeu a verdade de incontáveis maneiras. O crente precisa se banhar na verdade da Palavra. Ele deve assegurar que a verdade da Escritura está sendo apresentada diante dos seus olhos, está soando nos seus ouvidos, e está habitando em seu coração e sua mente (Deuteronômio 6:7-9; Josué 1:8; Salmos 119:11).

Em quarto lugar, Satanás se opõe a cada passo de santificação. Como o progresso do crente é o retrocesso do Diabo, Satanás tenta incalsavelmente impedir a obediência. Cristo é o remédio. Quando Satanás lança armadilhas para derrubá-lo, o crente deve suplicar a Cristo, aquele que é o seu “primeiro amor” (Apocalipse 2:4-5). Quando Satanás constrói barreiras para impedi-lo, o crente precisa olhar para Cristo, aquele que “abre caminho” (Miquéias 2:13). Quando Satanás forja cadeias para o acorrentá-lo, o crente precisa implorar a Cristo, aquele que “liberta os cativos” (Lucas 4:18).

Precisa haver conforto, no entanto, pois Satanás já foi derrotado por meio da morte e ressurreição de Cristo (Gênesis 3:15; Apocalipse 20). A sua destruição é certa no final dos tempos. Até lá, o crente precisa reconhecer que a sua “suficiência vem de Deus” para triunfar contra Satanás (2 Coríntios 3:5).​

Nenhum evento lançou uma sombra mais escura sobre a vida humana, através de todos os séculos, do que a queda dos nossos primeiros pais, do seu estado de justiça e retidão, vida, e comunhão com Deus, para o estado de pecado, morte, e corrupção em todas as faculdades e partes da alma e do corpo. Nenhum aspecto da experiência humana é mais crucial para a compreensão do mundo em que vivemos, o desespero da sua situação, e quão necessário foi que Deus interviesse mandando o Seu Filho ao mundo, “para que o mundo fosse salvo por ele” (João 3:17).

A queda do homem foi o ponto mais crítico para a humanidade. No Éden, Adão e Eva viveram uma vida muito diferente da nossa. Eles se sentiam em casa no seu mundo, felizes em seu casamento, abençoados na sua vida e trabalho, e em paz com o seu Deus. Culpa e vergonha, doença e morte, luxúria e desejo, dor e perda, e inimizade e perigo eram desconhecidos. Não havia nenhum espinho para perfurá-los, nenhum cardo para estragar a beleza do seu jardim lar, nenhum suor em suas testas. Tudo mudou quando eles sucumbiram às mentiras da serpente e desafiaram a lei de Deus.

Perguntas triviais podem desvirtuar a correta compreensão da queda do homem. A serpente era real? Ele foi real o suficiente para servir aos propósitos de Satanás! A serpente realmente falou, ou foi Satanás que expressou pensamentos na mente de Eva? De qualquer maneira, ela recebeu a mensagem. Adão realmente se juntou a Eva para pecar contra Deus? A verdade trágica é simples: a evidência do que ele fez é livre de controvérsias.

A imputação do pecado de Adão para toda a sua descendência natural é uma pressuposição do evangelho. Os seres humanos estão perdidos desde a sua concepção e nascimento, até mesmo antes deles começarem as suas carreiras pessoais de pecado. O Filho de Deus se tornou o Filho do Homem, para a expiação pelos pecados, através da Sua morte no lugar dos pecadores. Negar a queda do homem no pecado é usurpar a morte de Cristo do seu significado redentivo e do seu poder salvífico.

A realidade da queda como fato histórico é demonstrada por seus muitos amargos e persistentes efeitos nos seres humanos, nos dias de hoje: “Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer. A garganta deles é sepulcro aberto; com a língua, urdem engano, veneno de víbora está nos seus lábios, a boca, eles a têm cheia de maldição e de amargura; são os seus pés velozes para derramar sangue, nos seus caminhos, há destruição e miséria; desconheceram o caminho da paz. Não há temor de Deus diante de seus olhos” (Romanos 3:10-18).

Cada linha desta passagem foi extraída da Bíblia Hebraica. Paulo não precisou realizar nenhum pensamento original acerta do estado de queda do homem; estava tudo atestado na Escritura muito tempo antes da sua época.
Os teólogos descrevem o homem caído como sendo totalmente depravado ou corrompido. Alguns compreendem o termo com o significado de que o homem e a mulher são tão maus quanto eles conseguem ser. Graças à mão restritiva de Deus, os homens e as nações raramente percebem o seu pleno potencial para o pecado. Houveram Herodes e Hitlers através da história, contudo muito menos do que poderíamos esperar. O Império Romano foi idólatra e devasso, mas não além do poder do evangelho para transformá-lo na primeira superpotência Cristã do mundo.


Ao limitar a extensão da queda pela isenção de alguns aspectos dos seres humanos dos seus efeitos, foi aberto o caminho do homem caído para ser o seu próprio salvador. Se o seu intelecto não está obscurecido, então ele pode encontrar salvação através do uso da razão e do crescimento em conhecimento. Se a sua vontade não está escravizada, então o homem tem a palavra final na sua salvação, bem longe da vontade de Deus. Se o corpo do homem não carrega as marcas da queda, então os defeitos, as deformidades, as doenças, o envelhecimento e a morte, são naturais e normais para a nossa raça, ao invés de males que precisam ser combatidos e superados, ou inimigos pelos quais Cristo morreu para os derrotar. Vamos pedir a Deus para nos mostrar, com ainda maior profundidade, o resultado trágico da nossa queda, para que possamos compreender mais profundamente as maravilhas extraordinárias do evangelho.

19/57 - A DOUTRINA DO PECADO — DEPRAVAÇÃO TOTAL
Quando Adão e Eva pecaram, eles caíram do seu estado de justiça (ou retidão) original para um estado de corrupção espiritual, moral, emocional e física. Nossos primeiros pais “se tornaram mortos em pecados e inteiramente corrompidos em todas as suas faculdades e partes do corpo e da alma” (Confissão de Fé de Westminster 6.2). A culpa deste “pecado original” foi imputada, e a resultante corrupção da alma e do corpo, foi transmitida para todos os seus descendentes naturais.

Esta corrupção herdada é descrita como “depravação total”, proveniente da palavra em Latim “depravatio”, que significa a “perversidade” (“pravitas”) que está enraizada nos nossos corações e alcança cada um dos aspectos do nosso ser e da nossa vida. Nós manifestamos os frutos desta depravação em nossas vidas todo dia: “o pecado sempre jorra desta depravação como água corrente de uma fonte contaminada” (Confissão Belga, artigo 15).

A Palavra de Deus para Jeremias identifica esta “fonte contaminada” como o coração do homem, significando a sede do nosso intelecto, vontade e emoções, ou seja, tudo o que nos faz distintamente humanos, forma as nossas personalidades, e determina a nossa conduta externa (Jeremias 17:1,9). O pecado não pode ser culpado por causa do meio, da repreensão, da educação, ou por causa dos mal exemplos que os outros nos concedem. Nós somos pecadores no próprio coração.

Isto não significa dizer que os seres humanos são tão perversos quanto eles podem ser. Na bondade de Deus, “há no homem depois da queda um resto de luz natural. Assim ele retém ainda alguma noção sobre Deus, sobre as coisas naturais e a diferença entre honrado e desonrado e pratica um pouco de virtude e disciplina exterior”. Esta luz natural é, contudo, limitada, e explica apenas porque o homem não é mais perverso do que já, uma vez que o homem caído “não a usa apropriadamente nem mesmo em assuntos cotidianos” (Cânones de Dort, capítulos III-IV, artigo 4).

Sem a restrição da “luz natural”, a raça humana iria rapidamente destruir a si mesma. Nós somos propensos, por natureza, a odiar a Deus e ao nosso próximo (Catecismo de Heidelberg, Q.6). Nós desafiamos o Deus vivo, vivendo a vida de nossa própria maneira, e fazendo guerra uns com os outros. Então, a “escuridão natural” coexiste paralelamente com a “luz natural”, em nós.
Significativa em profundidade, a depravação humana é abrangente em seu alcance e efeitos. Nenhuma parte do nosso ser, em nenhum momento da nossa peregrinação terrena, em nenhuma faceta da vida e do trabalho neste mundo, em nenhum relacionamento com homem ou com Deus, em nenhum dos nossos pensamento, sentimentos, palavras, ou ações, é preservada não corrompida ou isenta da nossa depravação.

Novos Cristãos descobrem rapidamente que a depravação, como “a lei do pecado” em seus membros, ainda guerreia contra a “lei” das suas mentes, ou seja, contra as coisas que eles conscientemente crêem e sabem ser a vontade de Deus para as suas vidas (Romanos 7:23). Eles falam como Paulo: “Então, ao querer fazer o bem, encontro a lei de que o mal reside em mim” (Romanos 7:21).
O remédio de Deus para a depravação total do Seu povo é a salvação tripla em Cristo. Primeiro, em regeneração, novidade de vida é implantada no crente. Segundo, pelo processo de santificação, este nova vida é nutrida, incrementada, e tornada frutífera. Terceiro, é trazida à perfeição final (ou glorificação) na morte, quando a alma do crente é tornada perfeita, e assim, no último dia, o seu corpo será ressurreto à semelhança do corpo glorioso do Cristo ressurreto.


O nosso conforto, enquanto isto, é saber que nossos pecados são perdoados em nome de Cristo, e as nossas enfermidades remanescentes são cobertas por Sua paixão e morte. Estas enfermidades incluem fraqueza ou debilidade de compreensão no que diz respeito ao conhecimento da verdade; fraqueza ou debilidade na fé face a dúvidas e dificuldades; e fraqueza ou debilidade na vontade, no que diz respeito a obedecer os mandamentos de Deus e resistir às tentações para pecar. Todas estas enfermidades são cobertas pela concessão e imputação da justiça de Cristo ao crente, “como se eu nunca tivesse cometido pecado algum ou jamais tivesse sido pecador; e, como se pessoalmente eu tivesse cumprido toda a obediência que Cristo cumpriu por mim” (Catecismo de Heidelberg, Q.60).​

20/57 - A DOUTRINA DO PECADO — A RESPONSABILIDADE HUMANA
Desde que o evangelho foi pregado pela primeira vez no mundo, o homem tem se oposto, dizendo que Deus é injusto por requerer em Sua lei o que os homens não são capazes de fazer, pois como pecadores, eles são completamente incapazes de fazer qualquer coisa boa e são inclinados para toda a maldade e perversidade. De forma semelhante, o homem tem argumentado que se Deus é soberano na salvação, eles não podem ser culpados por sua falta de fé ou graça: “De que se queixa ele ainda? Pois quem jamais resistiu à sua vontade?” (Romanos 9:19). Em outras palavras, a falta de habilidade é mantida para implicar a falta de responsabilidade.

Ambas as linhas de argumentação são expostas como falsas quando o estado atual decaído do homem é contrastado com o seu estado original de conhecimento, santidade, liberdade, e comunhão com Deus, como o seu Criador. Como uma criatura feita à imagem de Deus, Adão conhecia e amava a Deus, e tinha o poder, a vontade, e a liberdade de fazer a vontade de Deus.
Adão jogou fora estas dádivas quando ele cedeu às mentiras e caiu em pecado. O  seu conhecimento da verdade foi suplantado em injustiça ou iniquidade; o seu coração decaído se afastou de Deus; os propósitos e desejos do seu coração se tornaram apenas maus, continuamente; e a sua vontade foi escravizada pelo pecado (Gênesis 6:5).

Adão infligiu estas terríveis perdas para si mesmo e para a sua descendência. Contudo, tais perdas não o tornaram livre dos termos do pacto das obras, pelo qual ele estava obrigado a obedecer a lei de Deus, escrita no seu coração: “faze isto e viverás” (Lucas 10:28). Apesar de borrada e desfigurada pelo pecado, esta lei ainda continua escrita no coração humano nos dias de hoje, e todo homem está obrigado a obedecê-la, quer ele consiga ou não. Os teólogos, algumas vezes, falam de consciência, ou “a luz da natureza”, quando se referem a esta lei escrita no coração (Romanos 2:13-15).

Deus chamou Caim para prestar contas do seu pecado, ao matar o seu irmão, Abel (Gênesis 4:9-12). De acordo com o Seu rigoroso julgamento, Deus puniu o mundo descrente e não arrependido com o dilúvio, enquanto Ele salvou e protegeu, por grande misericórdia, o crente Noé e a sua família (Gênesis 7). Mais tarde, como o clamor de Sodoma e Gomorra se multiplicou, e o seu pecado se agravou muito, Deus destruir estas prósperas e orgulhosas cidades, fazendo chover enxofre e fogo (Gênesis 18:20; 19:24-25).

Todas estas punições foram infligidas por Deus sobre os seres humanos, muito tempo antes da lei ter sido concedida a Israel no Sinai. Contudo, como Paulo observa, “onde não há lei, também não há transgressão” (Romanos 4:15). O próprio fato de Deus punir a transgressão humana antes do Sinai, mesmo no alvorecer da história humana, implica que sempre existiu uma lei divina conhecida pela humanidade; portanto, todo homem está obrigado a obedecê-la, ou então enfrentar as consequências de não obedecer.

O próprio evangelho, como pregado por Cristo, vem até nós como um mandamento: “O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho” (Marcos 1:15; cf. Atos 17:30). Este evangelho imperativo está enraizado no fato de que o evangelho é, de fato, “boas novas” que o homem deve acreditar. Se as mentes dos homens não foram obscurecidas, os seus desejos não foram corrompidos, e as suas vontades não foram escravizadas, ele acreditariam. A culpa não é de Cristo ou do Seu evangelho, mas do homem que ama a escuridão e não virá para a luz (João 3:19).

Além disso, Cristo não deixa ninguém que escuta o evangelho sem acesso aos meios da graça. O evangelho precisa ser pregado para todas as nações, e portanto ninguém pode dizer que estas “boas novas” não foi direcionado para esta pessoa: “Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (Romanos 10:13). Aqueles que verdadeiramente conhecem a sua necessidade da graça, irão buscá-la em Deus, que é o único que pode concedê-la através dos meios que Ele tem designado: “aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que se torna galardoador dos que o buscam” (Hebreus 11:6). O caminho para Cristo e para a salvação está aberto para todos (João 6:37).

21/57 - A DOUTRINA DO PECADO — ESTE MUNDO PERVERSO
“Este mundo perverso” identifica o compromisso típico de pessoas mundanas em suas mentes carnais, desejos malignos e consciências depravadas. Estilos de vida, condutas e conversas malignos – este é o “curso deste mundo” (Efésios 2:2), que são comuns entre as pessoas mundanas. O Cristão que deseja praticar a piedade, com toda a sinceridade, precisa estar atento à existência deste indivisível poder das trevas. Ele se opõe e cerca qualquer um que pratica a verdadeira piedade, e busca obstruir e frustrar a qualquer um em sua santa obra (Mateus 12:26; Colossenses 1:13). O mundo inteiro, que  jaz no maligno (1 João 5:19), está sempre buscando contaminar o crente (Tiago 1:27) e conduzi-lo ao caminho tortuoso.

Existem três chifres específicos pelos quais o mundo perverso fere mortalmente muitas almas e derruba completamente a piedade em muitos corações, quando nenhuma ação apropriada é tomada contra eles. O primeiro chifre do mundo são as suas tradições e costumes errôneos. Estes costumes são inteiramente opostos à correta prática da verdadeira piedade que admoesta o crente, “não vos conformeis com este mundo” (Romanos 12:2, versão KJV). Pelo contrário, tais costumes engendram a conformidade às coisas mundanas, chamando o crente para a idolatria, o paganismo, práticas diabólicas típicas da era. Quando o piedoso faz objeção a estas práticas, o mundo o rotula de “legalista”. Muitas pessoas pecaminosas e caprichosas contestam a igreja como uma coleção de extremistas ou almas tacanhas, com mentalidade estreita. Portanto, o mundo consegue frequentemente seduzir as crianças não cuidadas dos homens com o brilho do seu apelo, embora estas coisas sejam contrárias ao Deus de Jacó (Salmos 81:4).

O segundo chifre do mundo são os errôneos, porém muito celebrados e notáveis modelos de comportamento. Estas pessoas importantes e proeminentes são louvadas por suas atividades descaradas. O seu exemplo é suficientemente impressionante para outros os seguirem (Salmos 106:35; João 7:48). O mundo exalta tais pessoas a uma posição desejável, suscitando a inveja, e as identifica como pessoas inteligentes e respeitáveis, que precisam ser admiradas, e usa tais celebridades para ferir almas e impedir piedade. A justificativa para a perversidade de um homem vem do exemplo de alguma celebridade que é conceituada e popular, e que tem feito – ou negligenciado – as mesmas coisas pelas quais ele mesmo aspira. Por causa destas celebridades, um homem é capaz de justificar a sua conduta, lembrando a si mesmo: “Bem, eu não sou o único. Todo mundo faz esta mesma coisa”. Isto resulta em danos incalculáveis para a verdadeira piedade. Portanto, nós devemos estar em guarda para evitarmos ser chifrados por este chifre.

O terceiro chifre do mundo são as suas errôneas e perversas pressuposições de retribuição e recompensa. Assim, o mundo vira de cabeça para baixo a justiça ordenada por Deus – bênçãos para o justo e maldições para o perverso – tornando difícil, e até mesmo punível para o piedoso viver uma vida santa. Ainda mais, o mundo presta ajuda à prática da impiedade, proclamando-a se elegante e moderna (Números 22:7,16-41). Frequentemente, o piedoso que resiste a tais perversidades é tachado de não cooperativo, intolerante, fanático, atrasado, e portanto, em desacordo com a era moderna. Em contraste, o mundo promete tudo para aqueles que se conformam e se adaptam aos seus caminhos. Estes são bem-vindos e amados por grandes e pequenos iguais a eles.

A pessoa que deseja sinceramente praticar a piedade precisa se armar minuciosamente para se defender contra estes três chifres. A prática da piedade neste mundo perverso é um compromisso extenuante que precisa permear todos os aspectos da vida, como uma boa levedura ou fermento precisa permear cada parte do pão. Este compromisso não pode ser alcançado por meio da própria força do crente. É necessário estar seriamente advertido contra um poder antagônico – este mundo perverso – que faz oposição àqueles que caminham na verdadeira piedade e boas obras. Contudo, é muito necessário salientar, para o encorajamento de pessoas piedosas, que há um poder divino, o reino unido da graça, que está do lado de todos aqueles que sinceramente rendem seus corações e almas à prática da verdadeira piedade (2 Pedro 1:3).