terça-feira, 16 de janeiro de 2018

GRANDES DOUTRINAS DA FÉ CRISTÃ REFORMADA (5/5) ~ JOEL BEEKE




GRANDES DOUTRINAS DA FÉ CRISTÃ REFORMADA
[PARTE 5/5 - 46 À 57]
A DOUTRINA DA IGREJA
A DOUTRINA DA ESCATOLOGIA
SÉRIE [57 ESTUDOS]
Rev. Joel Beeke
[Projeto Os Puritanos]


46/57 - A DOUTRINA DA IGREJA — O HABITAR DE DEUS COM O HOMEM
Deus criou o homem em Sua própria imagem, como um ser ajustado para ser a morada do Deus triuno, e capaz de desfrutar de comunhão com Ele. Por causa da nossa queda em pecado, nos foi confiscado este privilégio indescritivelmente maravilhoso, e agora, por natureza, nos encontramos alienados da vida com Deus, e andando nas trevas (Isaías 9:2; Efésios 4:18; 1 João 1:6). Como Deus é infinitamente e inflexivelmente santo, Ele não pode mais habitar com o homem, a não ser que o pecado seja descartado (Salmos 5:4; 15:1-2; 101:7; 2 Coríntios 6:16-18). No seu infinito amor e graça, Deus designou santuários sucessivos, para servir como figuras da Sua presença salvífica no mundo e do caminho pelo qual Ele poderia habitar e ter comunhão com o homem, de uma forma consistente com o Seu caráter de santidade.

No Antigo Testamento, um destes santuários foi o tabernáculo. O tabernáculo serviu como um lugar de encontro entre Deus e o ser humano pecador, formando o ponto de contato, ordenado por Deus, entre o céu e a terra. Ali, naquela tenda levantada no acampamento de Israel, Deus estabeleceu a Sua morada e indicou a Sua vontade de habitar no meio do Seu povo (Êxodo 25:8,22; 29:42-46). O tabernáculo também funcionou como um lugar de revelação, proclamando a santidade e a majestade de Deus, e agindo como uma lembrança tangível do fato de que o pecado trouxe separação em relação à Deus, e da necessidade de um sacrifício expiatório, para estabelecer a reconciliação (Levítico 16; Isaías 59:2; Romanos 3:25). Deus não pode ser abordado de acordo com os nossos próprios termos, mas apenas com base na Sua vontade revelada (Êxodo 25:40).

Deus concedeu ao tabernáculo uma forma mais bem estabelecida, quando Ele comissionou o filho de Davi para construir o templo de Jerusalém (1 Reis 6-8). A aliança de Deus com Davi ligou a habitação de Deus entre os Israelitas, com a descendência real de Davi, de tal forma que a “casa” de Deus, ou templo, se tornou inseparável da “casa”, ou dinastia, de Davi (2 Samuel 7:4-17). A presença constante de Deus com o Seu povo depende da fidelidade do filho de Davi ao Senhor (1 Reis 9:1-9).

O tabernáculo/templo, com as ordenanças pertencentes a ele, foi um tipo ou figura do nosso Senhor Jesus Cristo, no qual Deus se tornaria encarnado como o filho obediente de Davi, e habitaria – literalmente, “tabernacularia” – com o Seu povo (João 1:14; 2:19-21). Em virtude da provisão graciosa de Deus na pessoa e obra do Seu Filho amado, Cristo Jesus é o único lugar de encontro entre o Deus santo e o homem pecador (João 14:6). Em Cristo, nós temos redenção através do Seu sangue, e o perdão dos nossos pecados, segundo a riqueza da Sua graça (Efésios 1:7). Ele é Aquele que atravessa o abismo entre a deidade e a humanidade, de tal maneira que, através do Seu sangue, nós que antes estávamos longe, fomos aproximados, e desfrutamos a comunhão com Ele (Efésios 2:13,18; 1 Pedro 3:18).

O tabernáculo/templo do Antigo Testamento também é um tipo de igreja construída por Cristo (Mateus 16:18). No entanto, no Novo Testamento, Deus não habita mais em prédios construídos por mãos humanas (1 Reis 8:27; Atos 7:48-50), mas habita no Seu povo, que é “edifício de Deus” (1 Coríntios 3:9,16-17). A igreja é “a casa de Deus”, ou a “habitação de Deus por meio do Espírito”, onde os crentes “oferecem sacrifícios espirituais” (Efésios 2:21-22; 1 Timóteo 3:15; 1 Pedro 2:5). Assim como o tabernáculo foi consagrado para a glória de Deus, e separado como um lugar santo para prestar culto a Deus, assim também os crentes, no Novo Testamento, que já não pertencem a si mesmos, mas foram comprados por preço, e são consagrados e colocados à parte para o Seu uso (Romanos 6:13; 1 Coríntios 6:19-20).


A volta de Cristo irá trazer o ideal de Deus em relação ao tabernáculo/templo para o seu pleno cumprimento (Apocalipse 7:15). Deus irá habitar com o Seu povo redimido na glória exposta do Cordeiro de Deus, e eles irão ver a Sua face (Apocalipse 21:3-4,22-23; 22:3-5). Portanto, que possamos buscar e desejar, acima de qualquer outra coisa, habitar na casa do Senhor para sempre, onde vamos contemplar a Sua beleza e estar satisfeitos com a Sua bondade (Salmos 23:6; 27:4; 65:4).

47/57 - A DOUTRINA DA IGREJA — A IGREJA
“Gloriosas coisas se têm dito de ti, ó cidade de Deus!” (Salmos 87:3). “Cidade de Deus” é uma das muitas metáforas bíblicas para a igreja. Ela expressa a segurança desta comunidade, delimitada por muros altos e fechada por portões robustos, e aponta para a sua posição exaltada como o local de habitação de Deus entre os homens. Quão gloriosas coisas se têm dito desta cidade? Em primeiro lugar, o seu lugar singular no amor e propósito eternos de Deus; em segundo lugar, os direitos e privilégios que Deus concede aos seus membros, no pacto da graça; em terceiro lugar, as promessas que Deus fez para provê-la com todas as boas coisas e desviá-la de todo o mal, ou direcioná-la para o seu próprio bem;  finalmente, as profecias que Deus concedeu em relação ao seu plantio e florescimento na terra, e a sua glória definitiva em Cristo.

A palavra “igreja” é usada 112 vezes na Bíblia em inglês (“church”), para traduzir a palavra grega “ekklesia”, que significa “aquele que é chamado para fora” ou “assembleia”. Contudo, a palavra em inglês é derivada de outra palavra grega usada apenas duas vezes no Novo Testamento, “kuriakos”, que é um adjetivo usado para caracterizar algo como “pertencente ao Senhor”, seja na Ceia do Senhor (1 Coríntios 11:20) ou no Sábado (“Sabbath”) Cristão como o “Dia do Senhor” (Apocalipse 1:10). Em nosso uso para esta palavra, ela é aplicada para descrever o corpo daqueles que pertencem ao Senhor, para as suas assembleias no culto público, e para os lugares onde eles se encontram. Por isso, é dito que os Cristãos são a igreja, vão para a igreja, e se encontram em uma igreja.

Além destes significados básicos, existe uma doutrina da igreja (“eclesiologia”) que pode ser encontrada ao longo de toda a Escritura. A igreja apareceu pela primeira vez, por implicação, em Gênesis 4:26, e a partir de então, mais diretamente nas casas e famílias dos patriarcas. Destes pequenos começos, ela cresceu até se transformar em uma nação de doze tribos e famílias bastante numerosas para se contar, persistindo por muitas gerações, até a vinda de Cristo. Sob o evangelho, as suas fronteiras são estendidas até os confins da terra, de tal forma que ela se torna o ajuntamento daqueles que foram redimidos com Deus pelo sangue de Cristo, procedentes “de toda tribo, língua, povo e nação” (Apocalipse 5:9).

Em 1 Pedro 2, o apóstolo se baseia nesta eclesiologia bíblica para mostrar que tudo o que foi verdade para a igreja debaixo da lei, também é verdade para a igreja debaixo do evangelho, contudo em um grau mais exaltado. Por exemplo, o templo terreno, feito por mãos humanas, foi substituído por uma “casa espiritual”, construída de “pedras que vivem”. A igreja debaixo da lei tinha um sacerdócio; debaixo do evangelho, a igreja inteira é um “sacerdócio real”. Debaixo da lei, os membros da igreja ofereciam sacrifícios de animais para Deus; debaixo do evangelho, estes sacrifícios físicos deram lugar a “sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo”.

Pedro enraiza a igreja de ambos os testamentos no decreto eterno de Deus, predestinando e elegendo os seus membros para a vida eterna e glória em Cristo. Consequentemente, a igreja é a “geração eleita” ou “raça eleita” (1 Pedro 2:9), que é uma referência à adoção dos seus membros como os filhos e filhas de Deus, como consequência da sua eterna eleição em Cristo, que é a “pedra angular” da igreja, como o verdadeiro templo de Deus.
Pedro é tão zeloso quanto Paulo, para assegurar aos crentes dentre os gentios a sua plena incorporação na “nação santa” e como “povo de propriedade exclusiva” (cf. Efésios 2:11-22). Portanto, há uma continuidade entre a igreja debaixo da lei e a igreja debaixo do evangelho. As únicas diferenças são a substituições das coisas físicas inferiores, terrenas e temporais, por coisas espirituais, celestiais e eternas, e a extensão dos direitos e privilégios de poucos, para muitos outros (1 Pedro 2:10).


O Cristianismo é frequentemente reduzido a uma relacionamento pessoal com Cristo. Contudo, cada um daqueles que pertencem a Cristo estão vinculados a se juntar à igreja, e a se unir a ela ao professar a verdadeira religião. Faz parte da vontade de Deus que recebamos os meios de graça dispensados por seus ministros, e que vivamos sob o governo e o cuidado dos anciãos (ou presbíteros) a quem Cristo nomeou para alimentar as Suas ovelhas (1 Pedro 5:1-4). Grandes bênçãos estão prometidas para aqueles que amam a igreja e orar pela sua paz e bem-estar (Salmos 122:6-9).

48/57 - A DOUTRINA DA IGREJA — OS MEIOS DE GRAÇA
O apóstolo Paulo declara: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie” (Efésios 2:8-9). De onde vem esta fé? Como esta dádiva de Deus é concedida ou comunicada? A resposta, proveniente do Cristianismo histórico, é que ela vem de Deus e dos meio de graça que Cristo designou em Sua igreja. Todas as ordenanças, ou coisas ordenadas por Cristo (Mateus 28:20), estão em vista nesta resposta, mas os meios primários são a Palavra de Deus, as Sagradas Escrituras, “que podem tornar-te sábio para a salvação” (2 Timóteo 3:15). Davi exalta o poder salvífico da Palavra, declarando que “A lei do SENHOR é perfeita e restaura a alma” (Salmos 19:7).

Não há conflito entre a fé na soberania de Deus e o uso dos Seus meio apontados para obter o que Ele promete para nós. Como Deus, o Espírito Santo é livre para operar quando, onde, e como Lhe apraz, com ou sem o uso de meios. Apesar disto, os meios de graça são recomendados a nós pelo próprio fato de que o Deus soberano nos ordenou que os usássemos.

Uma distinção precisa ser feita entre a bondade de Deus mostrada a todas as criaturas, por meio da qual Ele derrama boas dádivas sobre toda a humanidade, tanto a justos quanto a injustos, e aquela graça especial e salvadora comunicada apenas para os eleitos de Deus. A Bíblia afirma, “O SENHOR é bom para todos, e as suas ternas misericórdias permeiam todas as suas obras” (Salmos 145:9). Contudo, “Mostra a sua palavra a Jacó, as suas leis e os seus preceitos, a Israel. Não fez assim a nenhuma outra nação; todas ignoram os seus preceitos” (Salmos 147:19-20).

A singularidade das Escrituras como um meio de graça encontra-se na sua própria natureza: “Porque a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração” (Hebreus 4:12). Contudo, por causa da descrença, ignorância, e escuridão dos nossos corações caídos e corrompidos, apenas o Espírito Santo é que torna a leitura e a pregação da Palavra efetiva como um meio de graça, usando a palavra para iluminar a nossa escuridão, operando fé nos nossos corações, e nos habilitando para receber a Cristo como Salvador, e para servi-lo como Senhor.

Outros meios de graça estão subordinados à Palavra de Deus. O Santo batismo e a Ceia do Senhor são a Palavra de Deus tornada visível para confirmar a verdade das promessas de Deus para nós. A oração é um meio pelo qual estas promessas são invocadas por crentes, para “recebermos misericórdia e acharmos graça para socorro em ocasião oportuna” (Hebreus 4:16). O louvor é um meio pelo qual a graça de Deus, a Palavra de Cristo habitando em nossos corações, é derramada em ações de graças para Deus, conforme nós cantamos os “salmos, e hinos, e cânticos espirituais”, incluídos no cânon da Escritura, e sendo dirigidos pelo Espírito Santo (Efésios 5:18-21; Colossenses 3:16).

Nós nunca devemos atribuir eficácia aos próprios meios, por si mesmos, ou apenas ao puro uso deles. A água do batismo não pode lavar os pecados. O pão e o vinho da Ceia do Senhor não são e não podem se tornar a carne e o sangue vivificadores de Cristo. O Cristianismo de um homem não pode ser medido pelo número de sermões que ele ouviu, ou orações que ele recitou. É possível realizar todas as coisas certas, contudo sem um coração crente: “tudo o que não provém de fé é pecado” (Romanos 14:23). Ainda assim, aqueles que creem que Deus instituiu estes meios de graça, fazem diligente uso deles.


A igreja precisa conceder um lugar de destaque à boa pregação sonora da Palavra. Os seus membros devem ouvir tal pregação com fé e submissão, desejando conhecer, crer, e obedecer a vontade de Deus revelada através dela. Os sacramentos devem ser administrados apenas em conjunto com tal pregação, e precisam ser recebidos em fé por todos que irão se beneficiar deles. Para orar eficazmente, as nossas mentes precisam estar cheias com a verdade da Palavra de Deus. Para louvara de maneira aceitável, os nosso corações precisam estar preenchidos com a Palavra de Cristo e com o Espírito Santo.

49/57 - A DOUTRINA DA IGREJA — O CULTO POR MEIO DA PALAVRA
O que é o culto? A menção mais antiga ao culto público é encontrada em Gênesis 4:26, nos dias de Sete e Enos: “daí se começou a invocar o nome do SENHOR”. O Salmo 100:2 nos exorta: “Servi ao SENHOR com alegria, apresentai-vos diante dele com cântico”. Tiago exorta-nos: “Chegai-vos a Deus, e ele se chegará a vós outros” (Tiago 4:8). O apóstolo Paulo também fala sobre se achegar a Deus, “pelo novo e vivo caminho” consagrado para nós na pessoa de Cristo crucificado, ressuscitado, e levado aos céus como o nosso Sumo Sacerdote (Hebreus 10:19-22). O próprio Senhor Jesus Cristo falou: “ninguém vem ao Pai senão por mim” (João 14:6).

Que tipo de culto é aceitável a Deus? Esta questão percorre toda a Escritura, começando com os sacrifícios de Caim e Abel (Gênesis 4). A oferta de um homem é aceita, enquanto a de outro homem não é. Por quê? Como todas as boas obras, o culto verdadeiro precisa proceder da fé, e ser realizado de acordo com a lei de Deus, e para a Sua glória. Deus é cultuado quando e onde a Sua Palavra é crida, os Seus mandamentos são obedecidos, e a Sua glória é exaltada por criaturas racionais, nos céus e na terra.

A igreja do Antigo Testamento existiu em um mundo onde era muito comum o politeísmo, a idolatria, e formas de adoração inventadas pelo homem, que erram abominações à vista de Deus. O primeiro e o segundo mandamentos (Êxodo 20:3-6) abordam todos estes três pecados. Eles vinculam o povo de Deus para cultuá-lo de nenhuma outra forma, senão a que Ele ordena em Sua Palavra, proclamando o zelo de Deus por Seu culto e a Sua determinação em punir todos aqueles que se afastarem dele, enquanto mostra misericórdia àqueles que amam e obedecem a Ele. Deus infligiu uma morte em fogo ardente para Nadabe e Abiú, por eles terem oferecido “fogo estranho perante a face do SENHOR, o que lhes não ordenara” (Levítico 10:1-2); Hofni e Finéias foram mortos em batalha (1 Samuel 5:11), depois de terem corrompido o culto a Deus, explorando-o para os seus próprios propósitos (1 Samuel 2:17); mais tarde, o Senhor feriu Uzá, e ele morreu por seu erro ao tocar a arca da aliança (2 Samuel 6:7).

O último capítulo da Bíblia aborda o mesmo assunto. Em Apocalipse 22, João registra como, em um momento de descuido, ele caiu ao chão em adoração, aos pés de um anjo. Ele foi instantaneamente repreendido: “Vê, não faças isso; eu sou conservo teu, dos teus irmãos, os profetas, e dos que guardam as palavras deste livro. Adora a Deus” (Apocalipse 22:9).
Estes exemplos tem muito a ensinar para os Cristãos nos dias de hoje. O culto não é um assunto de indiferença, tradição humana, ou gosto popular. Cristo resume e confirma o ensinamento do Antigo Testamento, declarando que “Deus é espírito; e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade” (João 4:24). Nós ainda estamos vinculados à lei de Deus, para seguir o modo aceitável de culto que Ele instituiu em Sua Palavra, e que é regulamentado por Seus mandamentos.

Debaixo da nova aliança, as cerimônias da lei cessaram, e uma forma mais simples de culto foi introduzida por Cristo e pelos apóstolos. Oração com ações de graças, a leitura das Escrituras, boa pregação sadia e o ouvir fiel da Palavra, o cântico dos Salmos, e a administração dos sacramentos de acordo com o mandamento e o exemplo de Cristo, são todas as partes do culto a Deus no evangelho.


A história mostra que tanto a igreja vetero, quanto a neotestamentária, têm sido propensas a corromper o verdadeiro culto a Deus com inovações humanas, oferecendo um culto formal a Deus, contudo retendo o amor do coração, ou ainda negligenciando o culto verdadeiro, dirigindo-se para deuses que não são deuses, ou adotando práticas que não tem garantia ou respaldo na Escritura. As décadas recentes viram a erupção das “guerras de cultos” em muitas igrejas, causando uma fenda entre tradicionalistas e inovadores. Muitas pessoas se sentem livres para fazer como lhes agrada. Erros e abusos irão ser abundantes, até que todos nós concordemos em julgar todas as coisas por meio da Palavra de Deus (1 Tessalonicenses 5:21).

50/57 - A DOUTRINA DA IGREJA — A CEIA DO SENHOR
O Santo Batismo e a Ceia do Senhor foram instituídos pelo Senhor Jesus Cristo, para o uso em Sua igreja, debaixo do evangelho. Portanto, eles são chamados “sacramentos dominicais”, em distinção aos rituais posteriormente declarados como sacramentos, em vários ramos da igreja, tais como o casamento ou a ordenação ao ofício na igreja. As igrejas orientais reivindicam nove sacramentos; a igreja ocidental, sete sacramentos. Desde a Reforma, as igrejas Protestantes reconhecem apenas os dois sacramentos instituídos por Cristo.

Em ambos os sacramentos, existem elementos terrenos que são consagrados, administrados, e recebidos como sinais e selos das promessas de Deus, proclamadas no evangelho. Como sinais, eles direcionam a fé para as realidades invisíveis que eles representam. Como selos, eles são uma confirmação visível da verdade e da certeza das promessas conectadas à eles.

Como uma ordenança de Cristo, a Ceia do Senhor é um meio de graça, subordinado e dependente da pregação fiel da Palavra. O Espírito Santo usa a pregação da Palavra para operar a fé em nossos corações. Ele confirma e fortalece a fé através da administração dos sacramentos. Assim, os Cristãos crescem “na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2 Pedro 3:18), ao escutarem a Palavra com fé, e receberem os sacramentos com fé.

Para livrar a Ceia do Senhor de muitas corrupções anexadas a ela na igreja pré-Reforma, os Reformadores insistiram que ela fosse administrada estritamente de acordo com a instituição, o comando e o exemplo de Cristo. A igreja precisa usá-la como Ele planejou e precisa realizá-la como Ele fez, e nada mais do que isto.

Assim, os elementos são o pão e o vinho comuns. Eles são consagrados pela leitura das “palavras de instituição” (Mateus 26:26-30; 1 Coríntios 11:23-29), e pelo oferecimento de uma oração de ação de graças pela morte de Cristo e por todos os benefícios trazidos por Sua obra de expiação pelos pecados. O pão é partido e distribuído aos comungantes, e em seguida, a taça. A ação do sacramento é acompanhada pela Palavra, na forma de um convite ao piedoso para participar; um aviso para o ímpio para não participar; ainda, depois da comunhão, uma exortação aos crentes para se beneficiar do sacramento e, finalmente, atos de louvor e ação de graças.

Na Ceia do Senhor, os crentes relembram de Cristo, da Sua morte na cruz, e de todos os Seus benefícios salvíficos. Em segundo lugar, eles elevam seus corações ao Cristo ressurreto e glorificados nos céus, para serem nutridos com o Seu corpo crucificado e o Seu sangue derramado. Em terceiro lugar, através da comunhão do Espírito Santo, as amarras que os vinculam como um corpo, em Cristo, são aprofundadas e fortalecidas. Todos se juntam na renovação da sua aliança com Deus em Cristo, e uns com os outros, como a Sua igreja.

Finalmente, o sacramento precisa ser continuado na igreja até a volta de Cristo, em glória.
Considerando-se a forma pela qual Cristo é recebido no sacramento, um erro é localizar a Sua presença nos elementos pão e vinho, o que gera margem para a superstição e a idolatria. A igreja antiga errou ao considerar a Ceia do Senhor como um sacrifício adicional pelo pecado, que significava a continuação da obra de Cristo na cruz. Sob o evangelho, “já não há oferta pelo pecado” (Hebreus 10:18). Porém, há outros que erram negando qualquer presença de Cristo na Santa Ceia, argumentando que é apenas um banquete memorial.


Outro erro consiste em assumir que a Ceia do Senhor deve ser empregada apenas para as pessoas que possuem a plena segurança da salvação, ou que vivem vidas exemplares de santidade pessoal, e vitória sobre o pecado. Por humildade, alguns Cristãos se sentem não merecedores de participar da Ceia. Este engano foi erroneamente atribuído aos Puritanos, mas os teólogos Puritanos da Assembléia de Westminster mostraram uma posição claramente diferente. Eles insistiram em que “as promessas são feitas, e este sacramento é ordenado para o alívio dos cristãos fracos e que estão em dúvida”. Tal Cristão “deve lamentar a sua incredulidade e esforçar-se para ter as suas dúvidas dissipadas; e, assim fazendo, pode e deve chegar-se à Ceia do Senhor para ficar mais fortalecido” (Catecismo Maior de Westminster, Q172).

51/57 - A DOUTRINA DA IGREJA — A COMUNHÃO DOS SANTOS
O artigo 9 do Credo Apostólico declara: “Creio… na Santa Igreja Universal; na comunhão dos santos”. O primeiro tesouro da igreja é a ligação ou o vínculo que os crentes tem uns com os outros. Esta comunhão dos santos – constituídos de todos os crentes verdadeiros que são justificados em Cristo, através do Espírito (Romanos 12:13; 1 Coríntios 1:2; 6:11) – é dupla. Em primeiro lugar, é o direito comum que nós temos em relação à Cristo e às Suas dádivas (1 João 1:3). Em segundo lugar, é um chamado para fazer uso dos nossos dos espirituais seculares entre, ou com, outros crentes (1 Coríntios 12:13; Filipenses 2:1-2).

Esta comunidade é uma unidade. Isto é, apesar de ter muitas partes e membros, ela representa apenas um único corpo (1 Coríntios 12:12). Esta unidade consiste, primeiramente, de uma unidade de fé e, em segundo lugar, de uma unidade do Espírito. Portanto, nós somos chamados a nos esforçar para “preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz” (Efésios 4:3-6). O fundamento para esta unidade é o conhecimento de Jesus Cristo, o Cabeça do corpo, que junta todas as partes do corpo, umas às outras (Colossenses 3:14-15).

Esta comunidade é santa por três motivos. Em primeiro lugar, a igreja é separada do mundo descrente e ímpio (Atos 2:40; 2 Coríntios 6:17; 1 Pedro 2:9). Em segundo lugar, a igreja é santa por causa da perfeita santidade de Cristo, que foi imputada sobre ela (João 17:19; 1 Coríntios 1:30). Em terceiro lugar, a igreja se esforça para alcançar uma maior santidade, porque ela foi purificada pelo lavar da Palavra (1 Pedro 1:15).

Esta comunidade é católica, ou universal. Ela consiste daquelas pessoas, em todos os lugares, que invocam o nome de Cristo (1 Coríntios 1:2; cf. Tito 1:4; 2 Pedro 1:1). Esta comunidade tem existido desde o começo do mundo e irá permanecer para sempre.

Esta comunidade é Cristã, denominada pelo nome de Cristo, o seu Noivo (João 3:29). Assim como uma esposa recebe o nome do seu marido (Gênesis 2:23), também a igreja recebe o nome de Cristo.

Esta comunidade é chamada de igreja, a assembleia de todos os crentes (2 Pedro 1:1). Esta igreja é frequentemente denominada “militante”, composta de todos os crentes na terra; as vezes, chamada de “triunfante”, consistindo de todos os santos que já estão na glória; por vezes, denominada “visível”, a assembleia de todos os crentes que professam a fé verdadeira, apesar de entremeados com descrentes (Mateus 13:38); algumas vezes, é chamada de “invisível”, constituída apenas dos eleitos (1 Pedro 1:2); por vezes, é denominada “universal”, formada por todos os crentes, de todos os tempos, lugares e nações; e, algumas vezes, é chamada “individual”, abrangendo uma congregação local.

No que diz respeito à esta comunhão dos santos, o crente individual precisa examinar a si mesmo, em diversos assuntos. Em primeiro lugar, ele precisa perguntar se ele verdadeiramente ama a fraternidade, a assembleia e a amizade dos crentes. Ao pertencer ao corpo, o crente precisa ter um particular afeto, ternura e afeição por todos os outros membros da família (1 João 3:14). Portanto, o crente não abandona a assembleia (Hebreus 10:25), quer seja no culto ou ajuntamento público para adoração (Salmos 27:4), ou na associação diária com outros crentes (Salmos 16:3; Atos 2:46).

Em segundo lugar, o crente precisa perguntar se ele sinceramente, de todo o coração, se esforça na busca por santidade. Se ele é um verdadeiro membro da igreja e é santificado pelo sangue de Cristo, isto deve ser provado por sua conduta de vida (Hebreus 12:14; 1 Pedro 1:15; cf. Atos 8:21).

Em terceiro lugar, ele precisa examinar a si mesmo para verificar se ele ama a Cristo de todo o seu coração. Duas marcas provam este amor: obediência (João 14:21) e  um desejo ardente por Cristo (Apocalipse 22:17).


Em quarto lugar, o crente precisa usar os seus talentos, tanto os espirituais, quanto os seculares, com um coração desejoso de beneficiar outros amados irmãos. A partir deste uso de dádivas e dons, por parte de cada crente, o corpo todo é apropriadamente reunido (Efésios 4:16), conforme cada membro realiza a sua função adequada, sem inveja ou rancor (1 Coríntios 12:16-22). Resumidamente, se o crente é um membro do corpo, ele não deve fazer nada através de conflito ou por autopromoção, mas em humildade de espírito (Filipenses 2:3).

52/57 - A DOUTRINA DA IGREJA — AS MISSÕES MUNDIAIS
O apóstolo João elogiou as missões quando ele escreveu: “por causa do Nome foi que saíram, nada recebendo dos gentios” (3 João 7). Estes ministros foram em frente para pregar o evangelho e propagar o Cristianismo. Eles seguiram em frente, para converter as nações. Este é um serviço excelente, pois eles seguiram em frente por Deus, e em Seu nome. O objetivo principal de todos os ministros do evangelho deveria ser reunir e acumular um povo, para a glória e a honra do Senhor.

Contudo, outras pessoas que não são chamadas para pregar podem contribuir para o progresso desta obra. As igrejas, e todos aqueles que amam a causa de Cristo, devem trabalhar juntos para apoiar a propagação da verdadeira religião nas nações dominadas pela falsa religião. Nós devemos ter corações dilatados e desejosos de compartilhar os nossos recursos, além de nossos círculos particulares (Filipenses 4:14-16). Assim, somos “cooperadores da verdade”, conforme nós honestamente desejamos, oramos, e contribuímos com a nossa ajuda, na propagação do evangelho pelo mundo (3 João 8).

Quando Cristo pregou o evangelho do reino, Ele visitou não apenas as grandes e ricas cidades, mas também os povoados pobres e desconhecidos (Mateus 9:35). As almas daqueles que são pequeninos, e pouco importantes no mundo, são muito preciosas para Cristo, e também deveriam ser para nós, assim como as almas dos grandiosos, mais importantes. O Senhor Jesus é movido por compaixão pelo povo (v.36), e não meramente por causa dos seus problemas físicos e momentâneos, mas especialmente por suas necessidades espirituais. Ele percebe a ignorância e necessidade do povo, que deve levá-los a perecer, em breve. Cristo é um amigo muito compassivo para as almas preciosas. Foi a misericórdia pelas almas que O trouxe dos céus para a terra, e então para a cruz. Como ovelhas sem um pastor, as nações não tem um rei espiritual para guiá-las fielmente a Deus (v. 36; cf. 1 Reis 22:17). Nenhuma criatura tem uma maior tendência de se extraviar do que uma ovelha, e de se tornar impotente quando perambula ou vagueia. Pecadores são ovelhas perdidas, e falsos mestres tosquiam as ovelhas, ao invés de as alimentarem (Jeremias 23:1-8; Ezequiel 34).

Portanto, o Senhor desperta os Seus discípulos para orar por trabalhadores para a seara espiritual (Mateus 9:38). Existe muito trabalho a ser feito, multidões de pessoas que precisam da instrução da Palavra de Deus. É obra de Deus enviar os trabalhadores. Cristo produz ministros (Efésios 4:11). Todos os que amam a Cristo e as almas deveriam mostrar isto através das suas honestas orações a Deus, para que Ele envie mais pregadores habilidosos, fiéis, sábios e que trabalham duro. É um bom sinal de que Deus está prestes a conceder uma misericórdia especial quando ele desperta o Seu povo para ir ao trono da graça (Salmos 10:17). Assim como Cristo chama os Seus discípulos para orar, e então os envia para pregar (Mateus 9:38-10:8), os pregadores de Deus também precisam orar, “Eis-me aqui, envia-me a mim” (Isaías 6:8), e também orar para que Deus envie outros mais.

O Cristo ressurreto comissionou os Seus servos, falando: “Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século” (Mateus 28:18-20). Cristo tem domínio universal como o Mediador (João 17:2). Ele o comprou (Romanos 14:10), e agora Ele está tomando posse dele (Salmos 2:8). Ele comissionou primeiro os Seus apóstolos, e então os seus sucessores, os ministros do evangelho em todas as nações, até os confins do mundo. A salvação por Cristo precisa ser oferecida para todas as pessoas, exceto para aquelas que excluíram a si mesmas através da sua recusa em crer e se arrepender.


Cristo, o Mediador, está estabelecendo um reino; traga as nações para serem os seus súditos. Cristo está estabelecendo uma escola; traga as nações para serem os seus estudantes. Cristo está levantando um exército da verdade e do amor, para guerrear contra os poderes das trevas; aliste as nações para servirem sob a Sua bandeira. Conquiste as nações para Cristo, para que elas sejam verdadeiramente felizes!

54/57 - A DOUTRINA DA IGREJA — O DIA DO SENHOR
A expressão “o Dia do Senhor” ocorre cerca de vinte vezes no Antigo Testamento. Expressões relacionadas, tais como “aquele dia” ou “o dia do Senhor dos Exércitos”, ocorrem cerca de cinquenta vezes (“the day of the Lord of hosts”, versão KJV), e se referem ao mesmo fenômeno. É um tema profético frequente. Nestas expressões, a palavra “dia” não se refere a um período literal de vinte e quatro horas; ao invés disso, ela designa um tempo quando o Senhor intervém diretamente na história humana, a esfera do tempo, tanto para julgamento, quanto para bênçãos. Através da Sua providência, Deus controla e governa os assuntos da história, por todos os tempos, contudo o Dia do Senhor marca a Sua manifestação especial e épica, inserida no tempo. Diz respeito à intervenção de Deus no tempo, de uma forma espetacular, trazendo retribuição contra o perverso e salvação para o justo. A eternidade invade o tempo.

No Antigo Testamento, este dia tinha tanto uma referência histórica, quanto futura. Muitos Dias do Senhor já ocorreram. Por exemplo, Sofonias 1:7 se refere à destruição de Jerusalém (586 a.C.) como o Dia do Senhor. Isaías 13:7-13 se refere ao cativeiro Babilônico, através dos Medos e Persas (539 a.C.); era futuro, na perspectiva de Isaías, mas é passado, na nossa perspectiva. Joel interpreta uma invasão devastadora de gafanhotos como o Dia do Senhor, e não apenas como um fenômeno natural (Joel 1:1 – 2:17, nono século a.C.). Cada um destes dias históricos prefiguraram o inigualável Dia do Senhor que ainda está por vir, quando Deus irá irromper no tempo, pela última vez.

Como o Dia do Senhor é um tema profético tão proeminente, com tais extensas implicações, ele merece atenção. Use este esboço para direcionar o seu estudo, consultando nas notas de estudo relevantes para cada um dos textos abaixo.

1. Passagens importantes

            1. Textos principais
                        1. Isaías 13; 34-35
                        2. Jeremias 46
                        3. Ezequiel 30
                        4. Joel
                        5. Obadias
                        6. Sofonias
                        7. Zacarias 14

            2. Textos secundários
                        1. Isaías 2:9-22
                        2. Lamentações 2:22
                        3. Ezequiel 13:5
                        4. Amós 5:18-20
                        5. Malaquias 4:5-6

2. Dias importantes no passado (cada um é tipico, uma figura profética do dia futuro final)

            1. Isaías 13 – Babilônia
            2. Jeremias 46 e Ezequiel 30 – Egito
            3. Joel – Invasão de gafanhotos
            4. Obadias e Isaías 34 – Edom
            5. Sofonias – Judá

3. Temas importantes que marcam o Dia do Senhor

            1. Julgamento
            2. Restauração ou Bênção
            3. Messias

4. Aplicações importantes do Dia do Senhor

            1. Como os profetas se referem ao dia como algo iminente, prestes a acontecer, isto deve ser uma motivação para nós estarmos preparados. Sempre existe uma urgência na mensagem do evangelho.

            2. Os sinais que propiciaram as manifestações históricas do dia corroboram com os tipos de pecados que marcam os nossos dias e a nossa sociedade. A justiça e a imutabilidade de Deus significam que Ele irá julgar a todos os culpados.

            3. O Dia do Senhor foi e continua sendo um incentivo para o arrependimento. Escapar da ira de Deus através de esforço próprio é impossível. O único caminho para escapar da ira divina é correndo para a fonte desta ira e encontrando segurança em Cristo.


            4. Os componentes de bênçãos do Dia do Senhor, particularmente quando eles encontram expressão no Messias, devem ser úteis encorajamentos para todos os Cristãos. Para os crentes, a consumação final não deve ser um dia de medo e pavor, mas sim uma expectativa confiante. Um dia perfeito está por vir.

53/57 - A DOUTRINA DA ESCATOLOGIA — CANAÃ E A HERANÇA
Através do nosso pecado, nós nos apartamos de Deus e perdemos a herança que era nossa no jardim do Éden. O Senhor não deixou a humanidade caída sem uma promessa, que incluiu vitória para a semente da mulher (Gênesis 3:15). No chamado de Abraão, contudo, o Senhor concedeu um novo formato e direção àquela promessa. A possessão de uma herança foi uma das coisas mais distintamente prometidas no pacto Abraâmico (Gênesis 12:1-7). Canaã foi, portanto, uma herança, um lugar de descanso e bênção para a semente de Abraão, embora ainda fosse apenas uma herança temporária. Ela foi um tipo de penhor ou garantia das bênçãos espirituais que os crentes obtêm e desfrutam em Cristo, e por Cristo (Efésios 1:18), e do descanso final que ainda resta para o povo de Deus no céu (Hebreus 4:8-9).

A família de Abraão não teve direito natural à herança de Canaã. Canaã, como uma herança, foi outorgada à semente de Abraão por promessa, como a dádiva gratuita do amor de Deus (Gálatas 3:18). Os descendentes de Abraão não ganharam a terra como os despojos de batalha, ou a compraram como em uma transação comercial. O direito de propriedade deles sobre a terra foi puramente um ato gracioso de Deus. Ele foi fiel para conceder a Israel a terra (Josué 21:43).

De modo semelhante, uma herança espiritual é outorgada para o povo de Deus, baseada na eterna promessa de Deus, em virtude da Sua eleição divina (Lucas 1:68-72; Hebreus 13:20-21). É prometido a eles, em Cristo (Tito 1:2), em quem todos os crentes são uma unidade, serem herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo (Romanos 8:16-18; Gálatas 3:26-29; 4:4-7). O crente, portanto, tem obtido uma herança em Cristo, de acordo com a boa vontade de Deus, sendo “predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade” (Efésios 1:11-12).

Enquanto Canaã foi concedida, como a livre dádiva de Deus, para a semente de Abraão, a possessão e o desfrutamento da terra não foi fácil. Ela precisou ser tomada por fé, em submissão e obediência ao Senhor (Levítico 26; Deuteronômio 27-30). O caminho para a vitória foi através do campo de batalha da guerra. O fim desta guerra nunca esteve sob dúvida, contudo (Josué 1:5); o Senhor concedeu a vitória (Josué 10:30,32,42; 11:6,8). O mesmo acontece hoje para os filhos de Deus que querem desfrutar a herança espiritual, banqueteada a eles, em Cristo. Apesar da sua cidadania pertencer ao céu (Filipenses 3:20), “através de muitas tribulações, nos importa entrar no reino de Deus” (Atos 14:22). O Cristão precisa “combater o bom combate da fé” e “tomar posse da vida eterna” por fé (1 Timóteo 6:12). O resultado da batalha do Cristão, contudo, nunca está sob dúvida, assim como a conquista de Canaã também nunca esteve em sob dúvida.

A distribuição de Canaã foi por sorteio, e inteiramente por determinação divina. Semelhantemente, o Cristão tem uma porção alocada para ele, pelo Senhor (Salmos 16:5). O Senhor “escolheu-nos a nossa herança, a glória de Jacó, a quem ele ama” (Salmos 47:4). A distribuição da herança de Israel foi concedida através do exercício do ofício dos sacerdotes (Josué 14:11). De maneira semelhante, é através de Cristo, o nosso Grande Sumo Sacerdote das boas coisas por vir, que nós recebemos a promessa da herança eterna (Hebreus 9:11-15).


A terra de Canaã foi descrita como abundante e vasta, uma terra na qual os habitantes poderiam encontrar tudo de que eles precisassem, em todas as áreas da vida: “terra que mana leite e mel” (Êxodo 3:8). Muito maior é a herança do Cristão. Deus irá suprir todas as nossas necessidades, de acordo com a Sua riqueza em glória, em Cristo Jesus (Filipenses 4:19). Suas riquezas são insondáveis (Efésios 3:8) e, assim, Paulo ora para que os olhos do entendimento dos Efésios possam ser iluminados, para que eles conheçam “qual é a esperança do seu chamamento, qual a riqueza da glória da sua herança nos santos” (Efésios 1:18). No céu, todos os redimidos estarão inteiramente contentes e perfeitamente alegres (Salmos 16:11). Tudo será plenamente satisfeito (Salmos 17:15); nada, lá no céu, poderá ou irá decepcionar (Apocalipse 7:16-17).

55/57 - A DOUTRINA DA ESCATOLOGIA  — A VINDA DE CRISTO EM GLÓRIA
A antiga confissão Cristã, chamada de Credo Niceno, declara, como uma doutrina central da fé da igreja, que Jesus Cristo “há de vir com glória para julgar os vivos e os mortos”. Aqueles que elaboraram este credo estavam certos em afirmar a realidade gloriosa da segunda vinda de Cristo. Ela constitui uma parte importante da fé apostólica, e está intimamente ligada à primeira vinda de Cristo. Ela conduz toda a obra de Cristo, em Sua primeira vinda, para um glorioso cumprimento. Paulo resume esta fé em sua primeira carta aos crentes de Tessalônica, dizendo, “e como, deixando os ídolos, vos convertestes a Deus, para servirdes o Deus vivo e verdadeiro e para aguardardes dos céus o seu Filho, a quem ele ressuscitou dentre os mortos, Jesus, que nos livra da ira vindoura” (1 Tessalonicenses 1:9-10). Paulo vincula a fé dos Tessalonicenses a ações concretas: deixar os ídolos deste mundo, servir ao Deus vivo neste mundo, e aguardar pelo retorno do Cristo ressurreto, cuja morte livrou o Seu povo da ira vindoura. Ainda, a obra de Cristo em Sua primeira vinda – Sua morte e ressurreição, e Sua libertação dos pecadores em relação à idolatria – está bem vinculada à Sua segunda vinda.

Uma variedade de eventos precisa ocorrer antes da segunda vinda de Cristo. O evangelho precisa ser pregado a todas as nações (Mateus 24:14). Haverão falsos messias, guerras e rumores de guerra (Mateus 24:4-6). Ocorrerão terremotos e pestilências, perseguição e apostasia (Mateus 24:7-11). Haverá um notável período de reavivamento entre o antigo povo de Deus, os Judeus; o endurecimento do coração, que é parte da sua atual experiência, irá terminar, e um número significativo de Judeus irá se voltar para o Messias, Jesus (Romanos 11:7-8,25-26). Então, quando Cristo voltar, o Seu retorno será visível para todos os que estiverem vivendo na terra naquele período (Mateus 24:27; Apocalipse 1:7). Assim como a Sua ascensão aos céus foi vista por olhos humanos, o Seu retorno também será visível (Atos 1:11). Assim, conforme o Seu primeiro advento, também vai ser anunciado ou proclamado por anjos (Mateus 24:31; 1 Coríntios 15:52; 1 Tessalonicenses 4:16).

Para o Seu povo, a segunda vinda de Cristo será um período de glória e regozijo tremendo, um tempo onde a sua salvação será completada na ressurreição dos seus corpos glorificados. Será a realização do desejo dos seus corações, pois deste tempo em diante, eles estarão para sempre com o seu Senhor, Salvador, e Amigo celestial, na cidade do Seu povo (João 14:1-3; Colossenses 3:4; 1 Tessalonicenses 4:17; Hebreus 9:28; Apocalipse 22:12-14). Quando este evento glorioso ocorrer, Cristo também irá recompensar ou retribuir ao Seu povo (Mateus 16:27-28; 2 Coríntios 5:9-10). Contudo, para o ímpio ou perverso, aqueles que não têm amor pela verdade, o retorno de Cristo será um período de horror, desespero e julgamento sem fim; Ele irá vir como o seu Juiz (Apocalipse 1:7; 22:12,15). O teólogo Cristão do segundo século, Irineu (ou Ireneu) de Lyon, ensinou corretamente que o propósito do advento do Filho será julgar todas as pessoas, e separar crentes dos descrentes.


Como Jesus e os Seus apóstolos ensinaram esta verdade, aproximadamente dois mil anos de eventos históricos ocorreram, fazendo com que algumas pessoas pensassem que a expressão profética do Senhor, acerca da Sua volta a este mundo, tinha sido equivocada. É impressionante perceber que tal atitude é quase tão antiga quanto este elemento primordial do ensino apostólico. Pedro nos ensina que haviam escarnecedores, ou zombadores, já nos seus dias. Pessoas que riam da ideia da segunda vinda e perguntavam, “Onde está a promessa da sua vinda?” (2 Pedro 3:3-4). A resposta de Pedro foi observar que, assim como haviam aqueles que nos dias de Noé zombavam da sua pregação acerca do fim da civilização deles, também existiam zombadores que desprezavam a pregação acerca da segunda vinda. No entanto, assim como as águas do dilúvio certamente vieram e varreram todo o mundo de Noé, assim também o Senhor irá retornar para trazer um fim imediato a história da humanidade, e inaugurar a eternidade (2 Pedro 3:10-13). Enquanto isto, nós podemos estar convencidos de que o “atraso” no retorno de Cristo ocorre para permitir que todos os eleitos possam ouvir o evangelho e se arrependerem.

56/57 - A DOUTRINA DA ESCATOLOGIA  — O CÉU
O céu é lugar de habitação de Deus e a base do Seu reino, muito acima de todos os reinos deste mundo (1 Reis 8:30; Isaías 66:1; Mateus 25:34; Atos 14:22; 2 Coríntios 12:2). É o lugar da Sua gloriosa presença, para sempre, e o lar eterno dos crentes. O céu é tanto privativo quanto positivo – o primeiro, como um lugar livre (ou privado) de  toda miséria; o último, como um lugar onde todas as bênçãos divinas são saboreadas. O céu é um paraíso (Lucas 23:43); uma habitação eterna (Lucas 16:9; João 14:2; 2 Coríntios 5:1); uma cidade que há de vir (Hebreus 13:14); uma herança gloriosa (Colossenses 1:12); um lugar de desfrutamento e alegria (Salmos 16:11); e, acima de tudo, um mundo de amor.

O Deus triuno, a fonte do amor (1 João 4:8), torna o céu um mundo de amor. Lá habita Deus pai, o Pai de amor, que amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito como sacrifício (ver João 3:16). Lá habita Cristo, o Príncipe de amor, que amou tanto ao mundo, ao ponto de verter o Seu sangue e derramar a Sua alma na morte, em favor do ser humano. Lá habita o Espírito Santo, o Espírito do amor divino, em quem a própria essência de Deus, por assim dizer, flui e respira em amor, e que por sua imediata influência, todo o santo amor é derramado abundantemente nos corações de todos os santos. No céu, esta fonte infinita de amor – este eterno Três em Um – é aberta sem nenhum obstáculo para impedir o seu acesso, fluindo para sempre em feixes, como a luz proveniente do sol.

O amor celestial de Deus é esbanjado sobre objetos amáveis. O céu é o lugar onde o amor não está confinado, pois ele flui em riachos ou ribeiros inumeráveis, em direção a todos os santos e anjos de glória. Lá não haverá coisas ou pessoas odiosas, desagradáveis ou contaminadas (Apocalipse 21:27). Nada vai ofender nem mesmo o gosto mais refinado ou o olho mais suave. O Pai da família é amável, e assim também são os Seus filhos; o Cabeça do corpo é amável, e assim também são todos os membros.

Cristo ama a todos os Seus santos no céu. O Seu amor flui para toda a Sua igreja e para cada membro individual dela. Em verdade, o céu não é o céu sem Cristo. Ele é o próprio céu do céu. Além disso, os próprios santos não vão apenas receber este amor de Cristo, mas também vão amá-lo. Eles vão amar a Deus, em Seu próprio nome, e cada um vai amar ao outro em nome de Deus. No céu, não haverá inimizade, aversão, frieza de coração, ou indiferença remanescentes em relação a Deus e a Cristo. Como os santos irão amar a Deus com um fervor inconcebível e com o máximo da sua capacidade, então eles irão saber que Ele os amou desde toda a eternidade, que ainda os ama, e que continuará os amando para sempre.

Os santos irão amar uns aos outros. No céu, não haverá nada externo para manter os seus habitantes distantes uns dos outros, ou para impedir o seu mais perfeito desfrutamento no amor uns pelos outros. No céu, todos estarão unidos em relacionamentos íntimos e próximos. Todos serão como irmãos, em como uma sociedade, ou ainda como uma família, e todos serão membros da casa ou família de Deus. Haverá crianças, que viveram apenas alguns dias, tendo sido perdidas aqui embaixo, para serem encontradas graciosamente acima;  haverá o pai, a mãe, a esposa, o filho e o amigo Cristão, com o qual nós iremos renovar a piedosa amizade dos santos.


Que maravilhoso céu de descanso para entrar, depois de ter passado por tormentas e tempestades neste mundo, no qual o orgulho, o egoísmo, a inveja, a malícia,  o desprezo, o desdém, a discórdia, e os vícios são como ondas de um oceano impiedoso, sempre irrompendo em violência e fúria. “Jamais terão fome, nunca mais terão sede, não cairá sobre eles o sol, nem ardor algum, pois o Cordeiro que se encontra no meio do trono os apascentará e os guiará para as fontes da água da vida. E Deus lhes enxugará dos olhos toda lágrima” (Apocalipse 7:16-17). O crente pode seriamente anelar ou ansiar por este estado eterno de bem-aventurança, onde ele verá o seu Redentor com os seus próprios olhos, e não verá outro senão Cristo, que prenderá toda a sua atenção.

57/57 - A DOUTRINA DA ESCATOLOGIA  — O INFERNO
O inferno é o lugar de eterno julgamento (Mateus 5:29; Lucas 12:5; 16:23). Ainda, é o único lugar de tormento eterno, em oposição à ideia não bíblica de purgatório (cf. 1 Coríntios 3:12-14; 2 Coríntios 5:6,8; Filipenses 1:23; Hebreus 1:3; 1 João 1:7). A Escritura prontamente afirma a existência do inferno (Mateus 23:33; Lucas 16:19-31; 2 Pedro 2:3-4) e observa que é o lugar onde os corpos e almas dos homens são afligidos. O inferno tem muitos nomes que realçam a sua natureza. Ele é descrito como um fogo inextinguível (Lucas 3:17), uma fornalha acesa (Mateus 13:42, cf. Daniel 3:21-22), um lago de fogo (Apocalipse 19:20), um fogo eterno (Judas 7), as trevas (Mateus 22:13), a negridão das trevas para sempre (Judas 13), e abismos de trevas (2 Pedro 2:4).

Algumas pessoas fazem objeção a pregar e a ensinar a doutrina do inferno, supondo que este ensinamento é antitético à ênfase que o Novo Testamento dá à mensagem de Cristo no evangelho. Contudo, todos os protestos são deixados de lado quando é percebido que a doutrina do inferno é mais claramente estabelecida no Novo Testamento do que no Antigo, e portanto, é encontrada frequentemente nos lábios do próprio Senhor Jesus Cristo. Além disso, uma compreensão do tormento contínuo do corpo e da alma no inferno pretende causar temor e despertar as consciências entorpecidas daqueles descrentes que ainda estão vivos (Mateus 10:28; 2 Coríntios 5:11). Incutir um temor bíblico do inferno é, portanto, necessário e útil.

Duas realidades demandam este terrível julgamento para os descrentes. Em primeiro lugar, o inferno é necessário por causa da imundícia do pecado contra o infinito e santo Deus. É imperativo que uma punição proporcional seja executada de acordo com a justiça de Deus. Em segundo lugar, o inferno é necessário porque Cristo não satisfez a justiça de Deus para os ímpios, os quais devem suportar, por conta própria, a plena ira de Deus no inferno.

Esta ira atormentadora de Deus no inferno tem duas características. Em primeiro lugar, o julgamento é uma privação eterna. A presença de Deus (Mateus 25:41); a companhia dos santos e anjos (Mateus 22:13; 24:41); a bem-aventurança do céu (Lucas 16:23), a misericórdia de Deus e de Cristo, e dos piedosos com Eles (Provérbios 1:26); e toda a esperança de restauração eterna (Mateus 3:12; 25:46; 2 Tessalonicenses 1:9; Judas 7; cf. Isaías 33:14; 66:24; Lucas 12:59) – são todas impedidas e excluídas pelos portões do inferno. Através da eternidade, os ímpios se tornarão cada vez mais empobrecidos e exaustos no inferno. Em segundo lugar, existe uma grande quantidade de formas pelas quais os danados ou condenados se tornam ainda mais miseráveis, conforme a ira do santo Deus é exercitada em seu grau pleno. Este sofrimento é aumentado eternamente por: a universalidade dos tormentos que afetam o ímpio no corpo e na alma; a extremidade dos tormentos que não podem ser extinguidos nem tolerados; a continuidade dos tormentos, que não cessam nem tem intervalo; a sociedade dos tormentos, àqueles com quem os ímpios sofrem; a qualidade dos tormentos, uma miséria desprovida de qualquer conforto e prazer; a crueldade dos tormentos pelas mãos do Diabo e dos seus demônios; e a eternidade dos tormentos, que irão ser acumulados eternamente sobre o ímpio.


Acerca destas coisas, o descrente deveria temer e tremer, de tal forma que pudesse ser trazido ao arrependimento e à crença ou à fé. Além disso, todos os seres humanos – e crentes em particular – são chamados a abandonar os pecados que conduzem ao inferno (Mateus 10:22-23; 23:14-15; Marcos 12:40; Lucas 12:47-48; Romanos 2:5; Hebreus 13:4; 2 Pedro 2:9-10). Um vislumbre do inferno só pode produzir, senão, uma deserção de toda a impiedade. Adicionalmente, a doutrina do inferno traz o coração dos crente para o descanso mais doce nas glórias do céu. Quando o amargor do inferno é reconhecido, as alegrias do céu se tornam de ainda maior valor.